Alcides Procópio, o homem que criou o Banana Bowl
Por José Nilton Dalcim
Alcides Procópio teve importância sem igual nesse longo período do tênis completamente amador. Tenista, empresário e dirigente, ele mostrou pioneirismo em todas as atividades em que se intrometeu. Filho de imigrantes italianos, nasceu em São Paulo, em 15 de maio de 1916, e teve toda sua trajetória nas quadras intimamente ligada à elitista Sociedade Harmonia.
O pai arrendava o bar do clube e Alcides muitas vezes saia da escola direto para lá. Ficava o dia inteiro esperando a brecha para pegar na raquete ("custava uma fortuna"), quando algum tenista cansado se dignasse a emprestar a sua. Enquanto isso, ficava nos fundos, praticando com pedaços de madeira. "Ninguém me ensinou nada, aprendi só olhando", gabava-se.
Tolerado no Harmonia porque mostrava talento extraordinário, começou a ganhar campeonatos e ganhou apoio, virou orgulho da casa. Foram mais de 500 troféus e medalhas. Em 33, venceu um torneio interno em cima de Silvio Book, competindo com os maiores nomes da época - Kurt Metzner, Silvio Book, Otto Ruciska, George Hardy - e isso lhe valeu o título benemérito do clube.
Mesmo sem ser professor, ganhou um torneio para treinadores na casa dos Matarazzo no ano seguinte e, em 35, chegou ao título paulista de duplas. Nesse mesmo ano, sua fama cresceu. Foi disputar o Aberto de Santos e, de cara, pegou Ricardo Pernambuco, há 15 anos o número 1 nacional. Em seguida, o adolescente franzino tirou Nelson Cruz, o outro titular da Copa Davis, e só parou na final diante do argentino Hector Cataruzza.
Enfim, surgia alguém para ameaçar o reinado de Pernambuco e Cruz. "Larguei a quarta série ginasial no Rio Branco e comecei a viajar. Era um bom aluno, mas nunca mais apareci no colégio. Com 17 anos, já era o melhor tenista do Brasil". Em 36, foi convidado para jogar na Argentina. Não tinha passagem de volta e vendeu o Crevrolet Pavuna. Não se deu bem. Retornou no ano seguinte e ganhou. "Foram seis conquistas entre 36 e 38, entre Argentina, Chile e Uruguai. Numa delas, fui festejar e acabou o dinheiro. Não tinha nem para a gorjeta".
A Europa era o próximo passo. "Fui de porta em porta, com um livro de ouro, e consegui dinheiro para viajar. Mas quatro ou cinco dias antes houve uma intervenção militar em São Paulo e a coisa estava preta. Liguei para a filha de Getúlio Vargas. Eu jogava tênis com a família Vargas em Poços de Caldas", contava Procópio. "Consegui dinheiro também da prefeitura e do governo e fui direto para a Inglaterra. Lá, o prêmio dos torneios era em vale-compras, que eu vendia pela metade do valor e transformava em dinheiro vivo".
Autocrítico, reconhecia que estava longe do melhor nível. "Um brasileiro não tinha chance contra um (Don) Budge, um (Fred) Perry". Realizou o sonho de disputar Wimbledon, onde ganhou a primeira rodada. Mas a mais incrível lembrança foi a honra de jogar com o rei Gustavo, da Suécia. "Recebi uma mensagem do palácio, dizendo que eu seria o parceiro dele num jogo em Dantzig". A foto permaneceu na parede atrás de sua escrivaninha, no escritório ou em casa, por décadas.
A viagem, que pretendia durar cinco anos, levou apenas seis meses devido à crescente tensão na Europa. "Não tinha nem idéia do que fosse uma guerra, só o que me deu na cabeça foi voltar. Na companhia de navegação, me disseram que tinha de embarcar no dia seguinte. O navio veio costeando, o casco batendo nas pedras, com medo dos submarinos alemães".
Quando desembarcou do "Almanzora", Procópio tinha fama, mas pouco dinheiro. Assim, foi trabalhar na Companhia São Paulo de Seguros. Durante quatro anos foi recordista de venda, sucesso que lhe permitiu comprar a Franchini, pioneira no Brasil na fabricação de raquetes, em 1945. "Dois anos depois, comprei também a indústria, que chegou a ter quase duzentos empregados".
A Procópio Esportes nasceu em 1953 e criou o modelo Davis Cup, a raquete nacional mais popular em todos os tempos. No final da década de 70, fez sociedade com a Editora Abril, comprou o direito de fabricar a raquete Donnay, mas o projeto fracassou e lhe tirou boa parte do dinheiro guardado. Só então Procópio se desligou da empresa, que passou aos filhos.
Por conta dos negócios, parou de jogar em 42 e só voltou em 45 para ganhar o Brasileiro em cima de Maneco Fernandes. Em 55, entrou na luta para a criação da Confederação Brasileira. "A CBD, que tomava conta de todos os esportes, era tão desorganizada que engavetou um convite para eu jogar quatro anos nos EUA. Ficamos com tanta raiva que criamos a CBT". Em 56, já aos 40 anos, disputou torneios internacionais e chegou ao time da Davis, ao lado de Armando Vieira e Roberto Cardoso. Foi também capitão na época de Koch e Mandarino e coordenador do grupo, já em 83.
Como dirigente, Procópio teve 13 mandatos consecutivos na Federação Paulista, ou seja 26 anos. E um dos seus maiores feitos veio em 69, ao criar o Banana Bowl, versão do Orange Bowl norte-americano. "Fui sempre o primeiro em tudo no tênis. Trouxe vários grandes campeões para jogar aqui", orgulhava-se. Continuou jogando até perto dos 80 anos e só foi vencido por um derrame em 23 de dezembro de 2002.
Por José Nilton Dalcim
Alcides Procópio teve importância sem igual nesse longo período do tênis completamente amador. Tenista, empresário e dirigente, ele mostrou pioneirismo em todas as atividades em que se intrometeu. Filho de imigrantes italianos, nasceu em São Paulo, em 15 de maio de 1916, e teve toda sua trajetória nas quadras intimamente ligada à elitista Sociedade Harmonia.
O pai arrendava o bar do clube e Alcides muitas vezes saia da escola direto para lá. Ficava o dia inteiro esperando a brecha para pegar na raquete ("custava uma fortuna"), quando algum tenista cansado se dignasse a emprestar a sua. Enquanto isso, ficava nos fundos, praticando com pedaços de madeira. "Ninguém me ensinou nada, aprendi só olhando", gabava-se.
Tolerado no Harmonia porque mostrava talento extraordinário, começou a ganhar campeonatos e ganhou apoio, virou orgulho da casa. Foram mais de 500 troféus e medalhas. Em 33, venceu um torneio interno em cima de Silvio Book, competindo com os maiores nomes da época - Kurt Metzner, Silvio Book, Otto Ruciska, George Hardy - e isso lhe valeu o título benemérito do clube.
Mesmo sem ser professor, ganhou um torneio para treinadores na casa dos Matarazzo no ano seguinte e, em 35, chegou ao título paulista de duplas. Nesse mesmo ano, sua fama cresceu. Foi disputar o Aberto de Santos e, de cara, pegou Ricardo Pernambuco, há 15 anos o número 1 nacional. Em seguida, o adolescente franzino tirou Nelson Cruz, o outro titular da Copa Davis, e só parou na final diante do argentino Hector Cataruzza.
Enfim, surgia alguém para ameaçar o reinado de Pernambuco e Cruz. "Larguei a quarta série ginasial no Rio Branco e comecei a viajar. Era um bom aluno, mas nunca mais apareci no colégio. Com 17 anos, já era o melhor tenista do Brasil". Em 36, foi convidado para jogar na Argentina. Não tinha passagem de volta e vendeu o Crevrolet Pavuna. Não se deu bem. Retornou no ano seguinte e ganhou. "Foram seis conquistas entre 36 e 38, entre Argentina, Chile e Uruguai. Numa delas, fui festejar e acabou o dinheiro. Não tinha nem para a gorjeta".
A Europa era o próximo passo. "Fui de porta em porta, com um livro de ouro, e consegui dinheiro para viajar. Mas quatro ou cinco dias antes houve uma intervenção militar em São Paulo e a coisa estava preta. Liguei para a filha de Getúlio Vargas. Eu jogava tênis com a família Vargas em Poços de Caldas", contava Procópio. "Consegui dinheiro também da prefeitura e do governo e fui direto para a Inglaterra. Lá, o prêmio dos torneios era em vale-compras, que eu vendia pela metade do valor e transformava em dinheiro vivo".
Autocrítico, reconhecia que estava longe do melhor nível. "Um brasileiro não tinha chance contra um (Don) Budge, um (Fred) Perry". Realizou o sonho de disputar Wimbledon, onde ganhou a primeira rodada. Mas a mais incrível lembrança foi a honra de jogar com o rei Gustavo, da Suécia. "Recebi uma mensagem do palácio, dizendo que eu seria o parceiro dele num jogo em Dantzig". A foto permaneceu na parede atrás de sua escrivaninha, no escritório ou em casa, por décadas.
A viagem, que pretendia durar cinco anos, levou apenas seis meses devido à crescente tensão na Europa. "Não tinha nem idéia do que fosse uma guerra, só o que me deu na cabeça foi voltar. Na companhia de navegação, me disseram que tinha de embarcar no dia seguinte. O navio veio costeando, o casco batendo nas pedras, com medo dos submarinos alemães".
Quando desembarcou do "Almanzora", Procópio tinha fama, mas pouco dinheiro. Assim, foi trabalhar na Companhia São Paulo de Seguros. Durante quatro anos foi recordista de venda, sucesso que lhe permitiu comprar a Franchini, pioneira no Brasil na fabricação de raquetes, em 1945. "Dois anos depois, comprei também a indústria, que chegou a ter quase duzentos empregados".
A Procópio Esportes nasceu em 1953 e criou o modelo Davis Cup, a raquete nacional mais popular em todos os tempos. No final da década de 70, fez sociedade com a Editora Abril, comprou o direito de fabricar a raquete Donnay, mas o projeto fracassou e lhe tirou boa parte do dinheiro guardado. Só então Procópio se desligou da empresa, que passou aos filhos.
Por conta dos negócios, parou de jogar em 42 e só voltou em 45 para ganhar o Brasileiro em cima de Maneco Fernandes. Em 55, entrou na luta para a criação da Confederação Brasileira. "A CBD, que tomava conta de todos os esportes, era tão desorganizada que engavetou um convite para eu jogar quatro anos nos EUA. Ficamos com tanta raiva que criamos a CBT". Em 56, já aos 40 anos, disputou torneios internacionais e chegou ao time da Davis, ao lado de Armando Vieira e Roberto Cardoso. Foi também capitão na época de Koch e Mandarino e coordenador do grupo, já em 83.
Como dirigente, Procópio teve 13 mandatos consecutivos na Federação Paulista, ou seja 26 anos. E um dos seus maiores feitos veio em 69, ao criar o Banana Bowl, versão do Orange Bowl norte-americano. "Fui sempre o primeiro em tudo no tênis. Trouxe vários grandes campeões para jogar aqui", orgulhava-se. Continuou jogando até perto dos 80 anos e só foi vencido por um derrame em 23 de dezembro de 2002.
Linda Historia
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