Sonho de tenista leva esporte de elite ao coração do futebol sul-africano
Rafael Pirrho
Direto de Joanesburgo
Berço dos dois clubes mais populares da África do Sul, Soweto respira futebol. No distrito que virou símbolo do movimento negro contra o Apartheid, bola na rede tradicionalmente é gol, nunca ponto. Por isso, pensar em um torneio de tênis por aqui, um esporte considerado de elite, poderia parecer loucura, ambição demais. Mas houve quem decidisse contrariar essa lógica. Do sonho nasceram as quadras. E das quadras, um torneio profissional que está em sua segunda edição, o Soweto Open.
O pai da ideia foi o tenista americano Arthur Ashe, vencedor de três Grand Slams, morto em 1993, aos 49 anos, por complicações decorrentes da Aids. Foi Ashe quem lançou e financiou as primeiras obras no complexo que sedia o torneio, batizado em sua homenagem. Mais do que um simples projeto esportivo, foi uma resposta prática ao sistema de segregação racial que tirava todos os direitos dos negros do país. Levar o tênis a Soweto, em pleno Apartheid, mostrou a genialidade de Ashe também fora das quadras.
O tenista americano sofreu a discriminação sul-africana na pele. Negro, teve seu visto de entrada no país negado em 1968, mesmo ano de seu primeiro título de Grand Slam. Desde então, passou a militar contra o regime do Apartheid e o governo da África do Sul.
- Foi Ashe quem decidiu fazer quadras em Soweto e colocar dinheiro do próprio bolso aqui, no fim da década de 70. O governo da época, claro, não deu nenhum centavo. Foi um processo muito lento, porque qualquer coisa a favor dos negros durante o Apartheid era assim. Mas Ashe insistiu e iniciou a construção. Depois da democratização o governo também ajudou e Soweto ganhou um dos melhores complexos de tênis do país - conta o diretor do torneio, Gavin Crookes.
O Soweto Open atrai um público pequeno. Em uma manhã de terça-feira, menos de 50 pessoas assistiram à vitória da britânica Elena Baltacha sobre a russa Vitalia Diatchenko na quadra principal, mesmo com entrada grátis. Mas sucesso, neste caso, é relativo, especialmente em um local que ainda não se acostumou às raquetes. Já houve crescimento em relação à edição anterior, tanto que o Soweto Open está confirmado para 2011.
- No ano passado tivemos apenas 500 pessoas durante todo o torneio. Só ontem, no primeiro dia da segunda edição, foram 450 espectadores. Ainda não é o ideal, mas estamos progredindo. Os que vieram em 2009 voltam em 2010 e trazem mais alguém. Assim vamos levando o tênis a mais gente - explica Crookes.
Quem mais se diverte com a novidade são as crianças. Muitas passam à tarde no complexo, em excursões organizadas por escolas, e assim vão ganhando mais intimidade com o esporte. Outras 64, orgulhosas, trabalham como gandulas dentro da quadra. Todas são moradoras de Soweto.
- As pessoas aqui gostam de esportes mais simples, mais fáceis, como o futebol. Eu também gosto, mas acho o tênis muito mais bonito de se ver. Eu já aprendi a contar os pontos, estou começando a entender as regras e quero começar a jogar. Estou muito feliz de poder ficar perto de grandes ídolos do esporte - exagera Tsheqofatso, uma menina de 15 anos.
A russa Vitalia Diatchenko saca na quadra principal do complexo Exagero porque o jogador mais bem rankeado do Soweto Open é o eslovaco Lukas Lacko, 65o do mundo. Já entre as mulheres, a honra é da britânica Elena Baltacha, número 59.
- Na verdade eu ainda não conheço muitos jogadores. Tem as irmãs Williams, uma russa que eu esqueci o nome, o Roger Federer… ah, e o Fabrice Santoro - diz Tsheqofatso, lembrando do francês campeão da edição inaugural do torneio, ano passado.
Rafael Nadal e Novak Djokovic ainda são nomes estranhos para ela. Gustavo Kuerten, então, nem pensar, apesar de seu tricampeonato em Roland Garros.
- Ah, os jogadores brasileiros que eu conheço são o Ronaldinho, o Kaká, o Robinho, o Luís Fabiano... - enumera.
A menina também não sabe quem foi o grande atleta que batiza o complexo de Soweto. Mas quando começarem suas primeiras aulas de tênis, com os professores que ficam à disposição da comunidade, ela talvez ouça falar de Arthur Ashe. O craque que ousou juntar dois mundos aparentemente tão diferentes.
- Muitos desses meninos nunca haviam tido contato com o tênis, um esporte que normalmente só passa em canais de televisão pagos. Essa é uma oportunidade para eles se aproximarem de algo fora de sua realidade. E aí, quem sabe, eles se interessam. Um dos desafios de um país como a África do Sul, cheio de diversidade, é justamente unir culturas. Mostrar o que cada um tem de bom, mesclar identidades - anima-se Crookes.